terça-feira, 25 de outubro de 2011

Relativismo e o senso comum

Tenho notado como o discurso do "depende" e do "tudo é relativo" está em voga. Desde colegas até
professores universitários, nos debates informais dos quais participo é muito comum meus interlocutores
tentarem sempre relativizar algumas das minhas concepções. Para não provocar confusões desnecessárias, quero expor o que considero ser uma estratégia de argumentação relativista: primeiro, o interlocutor delimita uma área do conhecimento na qual ele considera impossível alcançar alguma conclusão que seja objetiva, necessária e universal. Depois, ao invés de aderir a um ceticismo explícito a respeito de algum problema envolvendo o assunto em questão, procura flexibilizar o uso de conceitos como verdade e validade para justificar o uso corrente que fazemos dessas expressões.


Assim, segundo os relativistas, quando estamos falando sobre um assunto "relativizável", frases como "Isto é verdadeiro" ou "Isto é bom" devem ser interpretadas como "Isto é verdadeiro/bom, para mim e neste contexto". Os campos mais vulneráveis à relativização são a moralidade e a estética, mas algumas vezes ela se estende até mesmo às ciências.


Quase sempre o relativismo é sustentado por uma premissa que tenta reduzir toda e qualquer coisa relacionada ao pensamento ao contexto histórico e geográfico. Partindo disso, o relativista tenta "desmascarar" a tese adversária demonstrando que um determinado arcabouço teórico que parece intuitivo e verdadeiro é, na verdade, mero produto de uma cultura, escondendo igredientes preconceituosos, místicos e políticos. Mas, antes que você saque uma alternativa mais coerente e mais racional do que a tese que ele acaba de refutar, o relativista ataca afirmando que não existe uma verdade em si, que a ciência, a moralidade e o senso estético estão em constante mutação. Diz o relativista: " O que ontem era considerado um paradigma, hoje é visto como uma ideia sem sentido. Há alguns séculos atrás a verdade era que o Sol girava em torno da Terra. Hoje, a verdade é a teoria do Big Bang, mas no futuro, pode não ser mais."


Pretendo apontar aqui os principais problemas do relativismo vulgar. Não sei até que ponto eles também são eficientes contra formas mais sofisticadas de relativismo. Me preocupo aqui com o este ponto de vista que vem se tornando um lugar comum entre a intelectualidade que não está propriamente ligada à filosofia.


O primeiro malogro do relativismo senso comum é o abuso das polissemias. Expressões como "tudo é relativo",  "isto ou aquilo é cultural" ou "cada um tem a sua verdade" podem ser interpretadas de diversas maneiras. As interpretações mais aceitáveis são inofensivas do ponto de vista filosófico. Se cultura significa aquilo que é produto da atividade humana, então é óbvio que qualquer ciência ou moralidade será "cultural". E se "verdade" corresponder a crenças fundamentais, então é igualmente óbvio que cada um tem uma "verdade" diferente, e que não existe uma "verdade" objetiva.


Mas o relativista que dar um passo adiante e te convencer de que você aceitou uma tese totalmente diferente: a de que não existe de fato uma verdade objetiva. Agora, o termo "verdade" aparece com o seu sentido próprio da filosofia, como uma relação de correspondência entre a maneira como concebemos algo no mundo e um mundo em si, fora de nossa mente. E o "cultural" vira quase um sinônimo de contingência social, histórica e geográfica, solapando qualquer universalidade de comportamento e pensamento que possa existir entre os povos. Trata-se, portanto, de uma troca de siginificados sem troca da palavra, que configura um raciocínio falacioso. É como se eu disesse algo como "Se tenho um banco, então sou rico. Ora tenho um banco no meu carro. Logo, sou rico."


A segunda objeção que apresento é a autocontradição do relativismo "metafísico", que nega a existência de proposições que sejam universais e atemporais. De acordo com a argumentação historicista, as teorias científicas e filosóficas são verdadeiras e válidas apenas para determinadas sociedades em determinadas épocas, e como elas estão sempre se modificando, revisando e abandonando os velhos paradigmas, elas não podem ser consideradas universal e atemporalmente válidas. O problema é o seguinte: a tese relativista é verdadeira em que sentido? Se o relativista responder que é verdadeira no sentido relavista da verdade, estará permitindo que seu adversário não-relativista esteja correto, pois as afirmações serão verdadeiras em função de quem fala. Se o relativista responder que é verdadeira no sentido não-relativista, afirmando que a tese relativista é uma verdade universal e necessária, uma verdade "não-relativa", estará então se autocontradizendo.


Ele poderia ressaltar que esta é a única verdade universal e necessária, mas isto geraria outra dificuldade. Sabemos que um argumento é um conjunto de premissas que justifica uma conclusão, e que um argumento é válido se e somente se todas a premissas forem verdadeiras e a conclusão também for verdadeira. Ora, se tudo é relativo menos a própria asserção relativista, como podem premissas relativizáveis gerarem uma conclusão não relativizável? Em minha opinião, o relativismo metafísico e epistemológico que segue este caminho (se é que ele pode seguir outro caminho) está fadado ao fracasso.


A terceira objeção que apresento aqui atinge a vertente ética e política do relativismo. É muito comum vermos pessoas que defendem esses tipos de relativismo assumindo posições bem definidas em relação a esses assuntos. Se denominam céticos morais, mas quando conversam sobre política e moral, argumentam a favor disso ou daquilo como se de fato existisse algo que é objetivamente certo ou errado, bom ou ruim. Em teoria, muitos reduzem a moralidade a uma questão de gosto e preferência, mas na prática agem de maneira diferente, buscando convencer seus interlocutores que seus princípios são os princípios corretos.


Por fim, gostaria de fazer uma observação. Não foi meu intuito expressar que os relativistas do senso comum (ou pelo menos a maioria deles) usam os argumentos criticados de má-fé. Acredito que a maioria das pessoas que tem opiniões mais ou menos semelhantes as atacadas ao longo do post as defendem porque acreditam ser elas razoáveis, e não se dão conta dos equívocos apontados. Espero estar, com sinceridade, contribuido para o amadurecimento intelectual das pessoas.